sábado, 11 de junho de 2011

Quando o Amor Vira Palavras, de Silvia Plath

O ainda infeito se torna o inescrito
Pela atividade de outros
E a pena imóvel de nós mesmos
Se levanta, em prontidão adiada,
Sobre o papel insuave do tempo ─
Temas da escrivaninha agora,
Todos aqueles projetos implícitos
Resgatados dos papéis por nossas mentes,
Aquela literatura perdida que só a morte lê.
E esperamos obras um do outro
Que excedam não tanto a beleza
Ou a fama entre nossos suspiros físicos
Quanto a quietude, memorável
Não além do pensamento, que se move, desestranhamente,
Sem as reluzentes espadas da história.
E eu lhe direi, "O que é preciso agora
É um poema sobre o amor, com o qual esquecêssemos o beijo
E ser para os lábios mais amor que beijo".
Ou, fracassando seu coração tagarela,
Eu mesmo escreverei este beijo falado,
Imprimindo-o na boca do tempo
Talvez finalmente demais, mas devagar,
Já que a execução agora é prudente
Com a soneca reflexiva que a língua tira
Entre o pensado e o dito.

Assim, enfim, instruir a nós mesmos
No nada que agora estamos fazendo,
Esses dias inaturais de inatividade,
Ao contar a coisa num tom natural.
Devemos ser corajosos:
Ousando o futuro sedentário
Sem outra esperança de paixão além das palavras,
E encontrando o que sentimos no que pensamos,
E conhecendo o sentimento diminuído
Para a idade mais sábia de uma ação um dia tola.
Como se dissesse, onde um dia eu poderia ter levantado,
Curvada para beijar como um vento cego procurando
Uma boca firme para descobrir a própria,
Agora me sento socialmente na cadeira do amor,
Feliz por ter você ou outra pessoa encarando
A distância trazida pelo inclinar de minha cabeça;
E então, se me permitem, ir para minha outra sala
E escrever sobre um assunto que tocasse todos os assuntos
Com a pressão compacta de sala
Lotando o mundo entre meus cotovelos;
Mais adiante, para a cama, e suavemente,
Deixar que a noite conclua, meus lábios ainda abertos,
Que um beijo aconteceu, ou outra coisa ter sonhado.
A noite, um dia, foi a cronista
Sussurrando boatos lascivos para a manhã.
Mas agora a história do anoitecer
É o sorriso mesmo da ceia e do depois,
Não é um infante nos braços da enfermeira Romance,
É a hora tardia na qual eu e você
Podíamos ter escrito ou lido talvez até mesmo isto.
Às vezes vamos nos declarar falsamente,
Jovens num sentido anterior da estória
Impossível diante da hora abreviada das palavras.
Mas não importa o quanto nos demoramos contra a exatidão,
Ampliando a página de tanto errar
Das necessidades sobrevividas do acaso,
Não podemos nos enganar por muito tempo,
Agora livres daqueles gestos
Que fizeram do mundo um conto elástico,
De semelhança nenhuma com nosso propósito.
Pois nós quisemos dizer, e dizemos, só um
Consenso de experiência,
Apesar da diferença em nossos nomes
E de parecer termos nascido
Cada um com um enredo cambiante e perda
De sentimento (embora nossa terra seja isso)
Em casa em tamanho lugar temporal.
Agora só nos resta casar nossas palavras
Com um sim coletivo de reconhecimento ─
Não tínhamos, até agora, ouvido a nós mesmos falar
Por causa do vigor e furor tagarelas
Dos amores animados demais enquanto algazarram ao caírem,
Dos nossos lábios impensados como letras excessivas.
É difícil lembrar
Que estamos fazendo nada,
A fim de nada, desejando fazer nada.
De uma nuvem espúria de desapontamento
Devemos extrair a gota sincera de alívio
Que corresponda à lágrima em nossos pensamentos
Sem motivo para escorrê-Ia.
Somos felizes.
Estes engajamentos da mente, Improdutivos do impulso do beijo,
Tocam o coração como o amor essencial,
Livre da curiosidade teatral
Que um dia dirigiu nossos desejos
Até um fim de vergonha e floreio berrantes,
De modo que atuávamos estes papéis sombrios
Abandonados entre susto e pompa.
Agora há pouco para se ver
E menos ainda a se esconder.
O ato de escrever 'Eu amo você'
Contém o amor, senão completamente,
Pelo menos com ternura o bastante
Para fazer do resto uma sombra ao nosso redor Imaculada penumbra
Não substanciada pelas alucinações do amor.
É mais verdadeiro ao coração falar, agora sabemos,
Do que segredar o alarme atrevido,
Corado com as surpresas da timidez,
Que se avulta entre a coragem de amar
E o costume de tatear por resultados.
Os resultados vieram primeiro, nossa linguagem
Traz suas cicatrizes: não podemos
Falar do amor se versos ceceiam
Com acentos memoráveis demais,
Cativando o que nós, em vez de amor, amorfizemos.
Primeiro vem o presságio, depois o que queremos dizer.
Não quisemos dizer o arfar ou a quentura;
Isto não é nenhum esfriar, abafando
O grito bandeirado que um dia o amor acenou diante de nós.
Aquilo foi uma dúvida, e uma persuasão ─
Por meio do crer, com a arte da dúvida,
Daquilo que, em nossa teimosia, tínhamos menos certeza.
Há menos a dizer sobre o depois
Mas mais a se dizer.
Não sobrou, verdade, palavra alguma para o beijo.
Podemos falar sobre nós mesmos;
E os personagens fugazes que fomos
Nervosos com o tempo no palco excitável ­
Se rendem a seus autores duradouros
De modo que é possível estudar, ainda vivos,
Qual amor ou elocução pode nos preservar
Daquela outra literatura
Que rapidamente exercemos para perpetuar
O palavrório mortal da aparência.
Não pense que sou severa
Por banir o beijo, antigo,
Ou como nossas mãos e faces pudessem se roçar
Quando nossos pensamentos sentem um amor e um alvoroço
Menos que escrevível e uma graça
De prontidão não totalmente verbal.
Estar amando é erguer a pena
E usá-Ia também, e o avanço
Da decisão calada para o deleite
De nos encontrar não meramente fluentes
Mas na ligadura das palavras que se abraçam
É por meio da metáfora do amor,
E ainda motivo de um beijo entre nós,
Embora a gente não se beije ─ ou com tanta intenção,
Que o gosto se perde no gosto do pensamento.
Não pensemos, por ser tão protestado
À linguagem última e condição,
Que não amamos mais.
Nós só deixamos de vir a ser ─ e somos.
Poucas as perplexidades e os intervalos
De um 'tímido acaso que nos são permitidos:
Mesmo que quiséssemos ser afoitos de novo, não poderíamos,
Nem tomar a trilha indistinta e demorada
E tropeçar até a razão como um cavalo
Rumina medo diante da longa virada de volta,
E nós o cavaleiro triste, inexperiente em montaria,
Treinado à maneira fugitiva.
Mas um flerte ainda governa nossos corações
Em nome da consciência.
Erguemos os olhos
Do manuscrito diante de nós
Para encontrar um presente assustado piscando ao passado
Com a visão desfigurada e um semblante reprovador,



Apontando ao olhar do tempo em direção à memória
Como se tivéssemos apagado as relíquias
De modo a ter algo sobre o qual escrever.
E paramos, pela duração da consciência,
Discernindo na névoa petulante
A face maltratada de alguém que conhecemos,
Faminta pra ser salva de nosso rancor.
E amamos: separamos os traços
Do desvanecimento e compomos com eles
Uma semelhança com aquele que não esperou,
E deveria ter esperado, aprendido a esperar.
Erguemos os olhos para saudar a nós mesmos
Convictos de que nenhum de nós está ausente
Ou deveria estar, da escritura doméstica de palavras
Que se lêem bem-vindas a tudo o que somos.
E então de novo às palavras
Depois ─ era? ─ um beijo ou exclamação
Entre face e face, súbito demais para ser registrado.
Sendo nosso amor agora um vão de mente
Em cuja ponte e não no corpo singular
Cavalga as águas da desunião
Com sorriso rabugento e valor gemente,
Podemos fazer do amor um milagre
Como a ligação de idéia e idéia e outra idéia,
O que é feito não quando as atravessamos
Mas quando sabemos que as palavras são o que queremos dizer.
Nos abstemos de nos mexer, parecendo-nos agora
Mais como nós mesmos para manter a vigilância escrita
E deixar que o alcance do amor nos cerque
Com a carinhosa acusação de sermos poetas.



(Tradução: Rodrigo Garcia Lopes)