sábado, 31 de março de 2012

EU QUERO VOCÊ PARA MIM , numa fase...

Deixe que me apresente:

Sou o homem de seus sonhos,

deixe que eu entre em sua vida,

por inteiro, não resista!

Quero ser o seu hoje e seu amanhâ!

Deixe que eu te encante com meu amor!

Deixe que eu te seduza,

te envolvendo nos meus carinhos...

Deixe que eu te enlouqueça com meus beijos...

Sejas minha! Só minha!

Só então sentirás como é lindo o amor,

vivido com intensidade, numa entrega total...

Seja você como eu estou sendo:

Um homem que te ama,

que não tem medo de se entregar!

Viva este amor,

pois amar é tão divino e maravilhoso!

Venha, entremos na mágia das estrelas, da lua...

E que o luar desta noite tão linda,

seja um convite, por ti aceito,

para que nos entreguemos enfim...

Hoje, amanhã e todos os dias de nossa vida!

Vem! Eu quero você pra mim!

domingo, 18 de março de 2012

O AMOR MADURO, do Artur da Tavóra



( do meu sempre lembrado e fraterno amigo Paulo Alberto,o Artur da Távora)



O amor maduro não é menor em intensidade.


Ele é apenas quase silencioso.


Não é menor em extensão.


É mais definido, colorido e poetizado.


Não carece de demonstrações:


presenteia com a verdade do sentimento.


Não precisa de presenças exigidas:


amplia-se com as ausências significantes.




O amor maduro tem e quer problemas,


sim, como tudo.


Mas vive dos problemas da felicidade.


Problemas da felicidade são formas trabalhosas


de construir o bem e o prazer.


Problemas da infelicidade não interessam ao amor maduro.




Na felicidade está o encontro de peles,


o ficar com o gosto da boca e do cheiro,


está a compreensão antecipada, a adivinhação,


o presente de valor interior,


a emoção vivida em conjunto,


os discursos silenciosos da percepção,


o prazer de conviver, o equilíbrio de carne e espírito.


Carne intensa, alegre, criança, redescobrimento


das melhores dimensões pessoais e alma refeita,


abastecida de todas as proteções necessárias,


um enorme empório de afinidades acima e além


de meras concordâncias intelectuais.


Os problemas daí derivados são os problemas da felicidade.


Problemas, sim, alguns graves.


Mas estalantes de um sentimento bom.




Na infelicidade estão a agressão, o desamor,


o não conseguir, a rejeição, a dor, o cansaço,


a troca com perda, a obrigação, o tédio, o desencontro,


o insulto, o ciúme machucante, as futricas de família,


as peles se eriçando e os toques que dão susto.


Os problemas da infelicidade não devem ser trazidos


para a trama do amor maduro.


O amor maduro é sólido e definido.


Mas estranhamente se recolhe


quando invadido pelos problemas


da infelicidade que fazem a glória do amor imaturo.


Acaba acabando.




O amor maduro não disputa, não cobra,


pouco pergunta, menos quer saber. Teme, sim.


Porém não faz do temor argumento.


Basta-se com a própria existência.


Alimenta-se do instante presente valorizado e importante


porque redentor de todos os equívocos do passado.


O amor maduro é a regeneração de cada erro.


Ele é filho da capacidade de crer e continuar.


É o sentimento que se manteve mais forte


depois de todas as ameaças, guerras ou inundações existenciais


com epidemias de ciúme, controle ou agressividade.



O amor maduro é a valorização do melhor do outro


e a relação com a parte salva de cada pessoa.


Ele vive do que não morreu mesmo tendo ficado para depois.


Vive do que fermentou criando dimensões novas


para sentimentos antigos, jardins abandonados cheios de sementes.


Ele não pede, tem. Não reivindica, consegue.


Não persegue, recebe. Não exige, dá. Não pergunta, adivinha.


Existe, para fazer feliz.


Só teme o que cansa, machuca ou desgasta.




O amor maduro não precisa de armaduras, coices, cargos


iluminuras, enfeites, papel de presente, flâmulas, hinos,


discursos ou medalhas:


vive de uma percepção tranqüila da essência do outro.


Deixa escapar a carência sem que pareça paupérrima.


Demonstra a necessidade sem que pareça voraz.


Define uma dependência sem que se manifeste humilhante.




O amor maduro cresce na verdade e se esconde a cada auto-ilusão.


Basta-se com o todo do pouco.


Não precisa nem quer nada do muito.


Está relacionado com a vida e sua incompletude,


por isso é pleno em cada ninharia por ela transformada em paraíso.


É feito de compreensão, música e mistério.


É a forma sublime de ser adulto


e a forma adulta de ser sublime e criança.




É o sol de outono: nítido mas doce.


Luminoso, sem ofuscar.


Suave mas definido.


Discreto mas certo.


Um sol, que aquece até queimar.







(in "Algumas Poesias", Ed. Civilização Brasileira, 1990, pág. 23)

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quinta-feira, 15 de março de 2012

AVISO, de Lya Luft

Se me quiseres amar,

terá de ser agora: depois

estarei cansada.

Minha vida foi feita de parceria com a dúvida:

pertenço um pouco a cada uma,

pra mim sobrou quase nada.



Ponho a máscara do dia,

um rosto cômodo e simples,

e assim garanto a minha sobrevida.



Se me quiseres amar,

terá de ser hoje:

amanhã estarei mudada.





(in "POESIA GAÚCHA", Ed. Globo, 2001, pág. 95)
 
 
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quarta-feira, 14 de março de 2012

PASSEI TODA A NOITE..., de Fernando Pessoa

Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,
E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela.
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala,
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.

Amar é pensar.

E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela.
Não sei bem o que quero, mesmo dela,
e eu não penso senão nela.

Tenho uma grande distracção animada.
Quando desejo encontrá-la
Quase que prefiro não a encontrar,
Para não ter que a deixar depois.

Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero.
Quero só Pensar nela.
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar.



(”O Guardador de Rebanhos”, “Obra Completa”, Ed. Aguilar, 1960, pág. 312.)

terça-feira, 13 de março de 2012

CAMPO DE FLÔRES, de Carlos Drummond de Andrade

Deus me deu um amor no tempo da madureza,

Quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme.

Deus - ou foi talvez o Diabo - deu-me este amor maduro,

E a um e outro agradeço, pois que tenho um amor.



Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos

E outros acrescento aos que o amor já criou.

Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso

E talhado em penumbra sou e não sou, mas sou.



Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia

E cansado de mim julgava que era o mundo

Um vácuo atormentado, um sistema de erros.

Amanhecem de novo as antigas manhãs

Que não vivi jamais, pois jamais me sorriram.



Mas me sorriam sempre atrás de tua sombra

Imensa e contraída como letra no muro

E só hoje presente.



Deus me deu um amor porque o mereci.

De tantos que já tive ou tiveram em mim,

O sumo se espremeu para fazer um vinho

Ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo.



E o tempo que levou uma rosa indecisa

A tirar sua cor dessas chamas extintas

Era o tempo mais justo. Era tempo de terra.

Onde não há jardim, as flores nascem de um

Secreto investimento em formas improváveis.



Hoje tenho um amor e me faço espaçoso

Para arrecadar as alfaias de muitos

Amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes,

E ao vê-los amorosos e transidos em torno

O sagrado terror converto em jubilação

Seu grão de angústia amor já me oferece

Na mão esquerda. Enquanto a outra acaricia

Os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura

E o mistério que faz os seres preciosos

À visão extasiada.



Mas, porque me tocou um amor crepuscular,

Há que amar diferente. De uma grave paciência

Ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia

Tenha dilacerado a melhor doação.

Há que amar e calar.

Para fora do tempo arrasto meus despojos

E estou vivo na luz que baixa e me confunde.



(“Noticias Amorosas”, pág. 250 ,”Obra Completa, Ed. Aguilar, 1964.)


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segunda-feira, 12 de março de 2012

NUM MEIO DIA DE FIM DA PRIMAVERA (VIII) , de Fernando Pessoa (como Alberto Caiero)

Num meio-dia de fim de Primavera

Tive um sonho como uma fotografia.

Vi Jesus Cristo descer à terra.

Veio pela encosta de um monte

Tornado outra vez menino,

A correr e a rolar-se pela erva

E a arrancar flores para as deitar fora

E a rir de modo a ouvir-se longe.



Tinha fugido do céu.

Era nosso demais para fingir

De segunda pessoa da Trindade.

No céu tudo era falso, tudo em desacordo

Com flores e árvores e pedras.

No céu tinha que estar sempre sério

E de vez em quando de se tornar outra vez homem

E subir para a cruz, e estar sempre a morrer

Com uma coroa toda à roda de espinhos

E os pés espetados por um prego com cabeça,

E até com um trapo à roda da cintura

Como os pretos nas ilustrações.

Nem sequer o deixavam ter pai e mãe

Como as outras crianças.

O seu pai era duas pessoas -

Um velho chamado José, que era carpinteiro,

E que não era pai dele;

E o outro pai era uma pomba estúpida,

A única pomba feia do mundo

Porque nem era do mundo nem era pomba.

E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.

Não era mulher: era uma mala

Em que ele tinha vindo do céu.

E queriam que ele, que só nascera da mãe,

E que nunca tivera pai para amar com respeito,

Pregasse a bondade e a justiça!



Um dia que Deus estava a dormir

E o Espirito Santo andava a voar,

Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.

Com o primeiro fez com que ninguém soubesse que ele tinha fugido.

Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.

Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz

E deixou-o pregado na cruz que há no céu

E serve de modelo às outras.

Depois fugiu para o sol

E desceu no primeiro raio que apanhou.

Hoje vive na minha aldeia comigo.

É uma criança bonita de riso e natural.

Limpa o nariz ao braço direito,

Chapinha nas poças de água,

Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.

Atira pedras aos burros,

Rouba a fruta dos pomares

E foge a chorar e a gritar dos cães.

E, porque sabe que elas não gostam

E porque toda a gente acha graça,

Corre atrás das raparigas

Que vão em ranchos pelas estradas

Com as bilhas às cabeças

E levanta-lhes as saias.



A mim ensinou-me tudo.

Ensinou-me a olhar para as coisas.

Aponta-me todas as coisas que há nas flores.

Mostra-me como as pedras são engraçadas

Quando agente as tem na mão



E olha devagar para elas.



Diz-me muito mal de Deus.

Diz que ele é um velho estúpido e doente,

Sempre a escarrar para o chão

E a dizer indecências.

A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.

E o Espirito Santo coça-se com o bico

E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.

Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.

Diz-me que Deus não percebe nada

Das coisas que criou -

"Se é que ele as criou, do que duvido." -

"Ele diz por exemplo, que os seres cantam a sua glória,

Mas os seres não cantam nada.

Se cantassem seriam cantores.

Os seres existem e mais nada,

E por isso se chamam seres."



E depois, cansado de dizer mal de Deus,

O Menino Jesus adormece nos meus braços

E eu levo-o ao colo para casa.



Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.

Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.

Ele é humano que é natural.

Ele é o divino que sorri e que brinca.

E por isso é que eu sei com toda a certeza

Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.



E a criança tão humana que é divina

É a minha quotidiana vida de poeta,

E é por que ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre.

E que o meu mínimo olhar

Me enche de sensação,

E o mais pequeno som, seja do que for,

Parece falar comigo.



A Criança Nova que habita onde vivo

Dá-me uma mão a mim

E outra a tudo que existe

E assim vamos os três pelo caminho que houver,

Saltando e cantando e rindo

E gozando o nosso segredo comum

Que é saber por toda a parte

Que não há mistério no mundo

E que tudo vale a pena.



A Criança Eterna acompanha-me sempre.

A direcção do meu olhar é o seu dedo apontando.

O meu ouvido atento alegremente a todos os sons

São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.



Damo-nos tão bem um com o outro

Na companhia de tudo

Que nunca pensamos um no outro,

Mas vivemos juntos e dois

Com um acordo íntimo

Como a mão direita e a esquerda.



Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas

No degrau da porta de casa,

Graves como convém a um deus e a um poeta,

E como se cada pedra

Fosse todo o universo

E fosse por isso um grande perigo para ela

Deixá-la cair no chão.



Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens

E ele sorri porque tudo é incrível.

Ri dos reis e dos que não são reis,

E tem pena de ouvir falar das guerras,

E dos comércios, e dos navios

Que ficam fumo no ar dos altos mares.

Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade

Que uma flor tem ao florescer

E que anda com a luz do Sol

A variar os montes e os vales

E a fazer doer aos olhos os muros caiados.



Depois ele adormece e eu deito-o.

Levo-o ao colo para dentro de casa

E deito-o, despindo lentamente

E como seguindo um ritual muito limpo

E todo materno até ele estar nu.



Ele dorme dentro da minha alma

E às vezes acorda de noite

E brinca com os meus sonhos.

Vira uns de pernas para o ar,

Põe uns em cima dos outros

E bate palmas sozinho

Sorrindo para o meu sono.

Quando eu morrer, filhinho,

Seja eu a criança, o mais pequeno.

Pega-me tu ao colo

E leva-me para dentro da tua casa.

Despe o meu ser cansado e humano

E deita-me na tua cama.

E conta-me histórias, caso eu acorde,

Para eu tornar a adormecer.

E dá-me sonhos teus para eu brincar

Até que nasça qualquer dia

Que tu sabes qual é.Esta é a história do meu Menino

Jesus

Por que razão que se perceba

Não há-de ser ela mais verdadeira.

Que tudo quanto filósofos pensam

E tudo quanto as religiões ensinam?

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domingo, 11 de março de 2012

POEMA À BOCA FECHDA, de José Saramago




Não direi:


Que o silêncio me sufoca e amordaça.


Calado estou, calado ficarei,


Pois que a língua que falo é de outra raça.






Palavras consumidas se acumulam,


Se represam, cisterna de águas mortas,


Ácidas mágoas em limos transformadas,


Vaza de fundo em que há raízes tortas.






Não direi:


Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,


Palavras que não digam quanto sei


Neste retiro em que me não conhecem.






Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,


Nem só animais bóiam, mortos, medos,


Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam


No negro poço de onde sobem dedos.






Só direi,


Crispadamente recolhido e mudo,


Que quem se cala quando me calei


Não poderá morrer sem dizer tudo.










(In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)


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sábado, 10 de março de 2012

ESTOU TONTO, de Fernando Pessoa

Estou tonto,


Tonto de tanto dormir ou de tanto pensar,


Ou de ambas as coisas.


O que sei é que estou tonto


E não sei bem se me devo levantar da cadeira


Ou como me levantar dela.


Fiquemos nisto: estou tonto.






Afinal


Que vida fiz eu da vida?


Nada.


Tudo interstícios,


Tudo aproximações,


Tudo função do irregular e do absurdo,


Tudo nada.


É por isso que estou tonto ...






Agora


Todas as manhãs me levanto


Tonto ...






Sim, verdadeiramente tonto...


Sem saber em mim e meu nome,


Sem saber onde estou,


Sem saber o que fui,


Sem saber nada.






Mas se isto é assim, é assim.


Deixo-me estar na cadeira,


Estou tonto.


Bem, estou tonto.


Fico sentado


E tonto,


Sim, tonto,


Tonto...


Tonto.






(Como Álvaro de Campos, in "Poemas" , “Obra Completa”, Ed. Aguilar, 1960, pág. 258)

sexta-feira, 9 de março de 2012

TODOS TEMOS DUAS ALMAS, de Machado de Assis

Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro... Espantem-se à vontade, podem ficar de boca aberta, dar de ombros, tudo; não admito réplica. Se me replicarem, acabo o charuto e vou dormir. A alma exterior pode ser um espírito, um fluido, um homem, muitos homens, um objeto, uma operação. Há casos, por exemplo, em que um simples botão de camisa é a alma exterior de uma pessoa; - e assim também a polca, o voltarete, um livro, uma máquina, um par de botas, uma cavatina, um tambor, etc. Está claro que o ofício dessa segunda alma é transmitir a vida, como a primeira; as duas completam o homem, que é, metafisicamente falando, uma laranja. Quem perde uma das metades, perde naturalmente metade da existência; e casos há, não raros, em que a perda da alma exterior implica a da existência inteira. (...) Agora, é preciso saber que a alma exterior não é sempre a mesma...



- Não?


- Não, senhor; muda de natureza e de estado. Não aludo a certas almas absorventes, como a pátria, com a qual disse o Camões que morria, e o poder, que foi a alma exterior de César e de Cromwell. São almas enérgicas e exclusivas; mas há outras, embora enérgicas, de natureza mudável. Há cavalheiros, por exemplo, cuja alma exterior, nos primeiros anos, foi um chocalho ou um cavalinho de pau, e mais tarde uma provedoria de irmandade, suponhamos.






( in "O Espelho"  )

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quinta-feira, 8 de março de 2012

Todo Dia É Dia da Mulher

Dose diária de Adélia Prado !

Vamos parar com essa groselha!





"Quando nasci um anjo esbelto,

desses que tocam trombeta, anunciou:

vai carregar bandeira.

Cargo muito pesado pra mulher,

esta espécie ainda envergonhada.

Aceito os subterfúgios que me cabem,

sem precisar mentir.

Não sou feia que não possa casar,

acho o Rio de Janeiro uma beleza e

ora sim, ora não, creio em parto sem dor.

Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.

Inauguro linhagens, fundo reinos

— dor não é amargura.

Minha tristeza não tem pedigree,

já a minha vontade de alegria,

sua raiz vai ao meu mil avô.

Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.

Mulher é desdobrável. Eu sou."

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SABER VIVER, de Cora Coralina

Não sei… Se a vida é curta


Ou longa demais prá nós,


Mas sei que nada do que vivemos


Tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas.


Muitas vezes basta ser:


Colo que acolhe,


Braço que envolve,


Palavra que conforta,


Silêncio que respeita,


Alegria que contagia,


Lágrima que corre,


Olhar que acaricia,


Desejo que sacia,


Amor que promove.


E isso não é coisa de outro mundo,


É o que dá sentido à vida.


É o que faz com que ela


Não seja nem curta,


Nem longa demais,


Mas que seja intensa,


Verdadeira, pura… Enquanto durar




(“Vintém de Cobre”, “Meias Confissões de Aninha”, Ed. Melhoramentos, 1996, 8ª. Edição, pág. 52)

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quarta-feira, 7 de março de 2012

AS SEM RAZÕES DO AMOR, de Carlos Dummond de Andrade

Eu te amo porque te amo,


Não precisas ser amante,


e nem sempre sabes sê-lo.


Eu te amo porque te amo.


Amor é estado de graça


e com amor não se paga.


Amor é dado de graça,


é semeado no vento,


na cachoeira, no eclipse.


Amor foge a dicionários


e a regulamentos vários.


Eu te amo porque não amo


bastante ou demais a mim.


Porque amor não se troca,


não se conjuga nem se ama.


Porque amor é amor a nada,


feliz e forte em si mesmo.


Amor é primo da morte,


e da morte vencedor,


por mais que o matem (e matam)


a cada instante de amor.



("Obra Completa, "Poética", Ed. Aguilar, 1964, pág. 312)


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segunda-feira, 5 de março de 2012

RIFA-SE UM CORAÇÃO (QUASE NOVO), de Clarice Lispector

Rifa-se um coração quase novo.

Um coração idealista.

Um coração como poucos.

Um coração à moda antiga.

Um coração moleque que insiste em pregar peças no seu usuário.

Rifa-se um coração que na realidade

está um pouco usado, meio calejado, muito machucado

e que teima em alimentar sonhos, e cultivar ilusões.

Um pouco inconseqüente

que nunca desiste de acreditar nas pessoas.

Um leviano e precipitado,

coração que acha que Tim Maia estava certo

quando escreveu... "não quero dinheiro,

eu quero amor sincero, é isso que eu espero...".

Um idealista...

Um verdadeiro sonhador...

Rifa-se um coração que nunca aprende.

Que não endurece,

e mantém sempre viva a esperança de ser feliz,

sendo simples e natural.

Um coração insensato que comanda o racional

sendo louco o suficiente para se apaixonar.

Um furioso suicida que vive procurando relações

e emoções verdadeiras.

Rifa-se um coração que insiste

em cometer sempre os mesmos erros.

Esse coração que erra, briga, se expõe.

Perde o juízo por completo em nome de causas e paixões.

Sai do sério e, às vezes revê suas posições

arrependido de palavras e gestos.

Este coração tantas vezes incompreendido.

Tantas vezes provocado. Tantas vezes impulsivo.

Rifa-se este desequilibrado emocional que,

abre sorrisos tão largos que quase dá pra engolir as orelhas,

mas que também arranca lágrimas e faz murchar o rosto.

Um coração para ser alugado,

ou mesmo utilizado por quem gosta de emoções fortes.

Um órgão abestado

indicado apenas para quem quer viver intensamente e,

contra indicado para os que apenas pretendem passar pela vida

matando o tempo, defendendo-se das emoções.

Rifa-se um coração tão inocente

que se mostra sem armaduras e deixa louco o seu usuário.

Um coração que quando parar de bater

ouvirá o seu usuário dizer para São Pedro na hora da prestação de contas:

" O Senhor poder conferir", eu fiz tudo certo,

só errei quando coloquei sentimento.

Só fiz bobagens e me dei mal

quando ouvi este louco coração de criança

que insiste em não endurecer e, se recusa a envelhecer".

Rifa-se um coração, ou mesmo troca-se por outro

que tenha um pouco mais de juízo.

Um órgão mais fiel ao seu usuário.

Um amigo do peito que não maltrate tanto o ser que o abriga.

Um coração que não seja tão inconseqüente.

Rifa-se um coração cego, surdo e mudo,

mas que incomoda um bocado.

Um verdadeiro caçador de aventuras que,

ainda não foi adotado, provavelmente,

por se recusar a cultivar ares selvagens ou racionais,

por não querer perder o estilo.

Oferece-se um coração vadio, sem raça, sem pedigree.

Um simples coração humano.

Um impulsivo membro de comportamento até meio ultrapassado.

Um modelo cheio de defeitos que,

mesmo estando fora do mercado,

faz questão de não se modernizar, mas vez por outra,

constrange o corpo que o domina.

Um velho coração que convence seu usuário

a publicar seus segredos e, a ter a petulância

de se aventurar como poeta.



("Antologia Poética", Liv. Nova Fronteira, 1997, pág. 164)


Já publiquei aqui! Mas, como achei adequado, resolvi compartilhar novamente com vocês!
Se cuida, companheiro* !

*(O companheiro é o coração da gentil moça ou do ilustre cavalheiro que me honra aqui comparecendo)

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domingo, 4 de março de 2012

EMBRIAGUE-SE, de Charles Baudelaire

Devemos andar sempre bêbados .

Tudo se resume nisto: é a única solução.

Para não sentires o tremendo fardo do tempo que te despedaça os ombros e te verga para a terra, deves embriagar-te sem cessar.

Mas com quê?

Com vinho, com poesia ou com a virtude, a teu gosto.

... Mas embriaga-te.

E se alguma vez, nos degraus de um palácio, sobre as verdes ervas duma vala, na solidão morna do teu quarto, tu acordares com a embriaguez já atenuada ou desaparecida, pergunta ao vento, à onda, à estrela, à ave, ao relógio, a tudo o que se passou, a tudo o que gemeu, a tudo o que gira, a tudo o que canta, a tudo o que fala, pergunta-lhes que horas são:

__São horas de te embriagares!

Para não seres como os escravos martirizados do tempo, embriaga-te, embriaga-te sem cessar!

Com vinho, com poesia, ou com a virtude, a teu gosto.



(Comentário necessário: ao se traduzir qualquer texto, penso eu, deve ser permitido uma certa flexibilização, pois a tradução literal pode não agregar o sentimento do autor, na língua de origem! Achei importante dizer isso)



Por favor, embriague-se apenas um pouquinho...

sábado, 3 de março de 2012

TRÊS COISAS, de Fernando Pessoa

TRÊS COISAS


Fernando Pessoa:



Não se acostume com o que não o faz feliz, revolte-se quando julgar necessário.
Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas.
Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente.
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-a.
Se perder um amor, não se perca!
Se o achar, segure-o!"



("Obra Completa", "Poética", Ed. Aguilar, 1960, pág. 98)





Um bom e querido amigo perguntou-me, ontem, porque eu publicava sempre esse poema! Minha resposta a ele, e a quem talvez se pergunte o mesmo, foi:... é que ando um pouco esquecido e esse poema é importante para que eu faça uma correção de rumos a tempo e hora!

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quinta-feira, 1 de março de 2012

SONETO, de Luís de Camões


Quem diz que Amor é falso ou enganoso,
ligeiro, ingrato, vão, desconhecido,
Sem falta lhe terá bem merecido
Que lhe seja cruel ou rigoroso.

Amor é brando, é doce e é piedoso;
Quem o contrário diz não seja crido:
Seja por cego e apaixonado tido,
E aos homens e inda aos deuses odioso.

Se males faz Amor, em mi se vêem;
Em mim mostrando todo o seu rigor,
Ao mundo quis mostrar quanto podia.

Mas todas suas iras são de amor;
Todos estes seus males são um bem,
Que eu por todo outro bem não trocaria.





(O soneto ora publicado foi extraído do livro "Inês de Castro e O velho do restelo", de autoria de Sylmara Beletti e Frederico Barbosa, Landy Editora - São Paulo, 2001, pág. 39.)