terça-feira, 30 de dezembro de 2008

De quem é o olhar, de Fernando Pessoa

De quem é o olhar
Que espreita por meus olhos ?
Quando penso que vejo,
Quem continua vendo
Enquanto estou pensando ?
Por que caminhos seguem,
Não os meus tristes passos,
Mas a realidade
De eu ter passos comigo ?
Às vezes, na penumbra
Do meu quarto, quando eu
Por mim próprio mesmo
Em alma mal existo,

Toma um outro sentido
Em mim o Universo -
É uma nódoa esbatida
De eu ser consciente sobre
Minha idéia das coisas.

Se acenderem as velas
E não houver apenas
A vaga luz de fora -
Não sei que candeeiro
Aceso onde na rua -
Terei foscos desejos
De nunca haver mais nada
No Universo e na Vida
De que o obscuro momento
Que é minha vida agora!

Um momento afluente
Dum rio sempre a ir
Esquecer-se de ser,
Espaço misterioso
Entre espaços desertos
Cujo sentido é nulo
E sem ser nada a nada.
E assim a hora passa
Metafisicamente.

(OBRA COMPLETA,INÉDITAS,ED.AGUILAR,1960,pag.312)

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segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Há momentos..., de Clarice Lispector

Há momentos na vida em que sentimos tanto
a falta de alguém que o que mais queremos
é tirar esta pessoa de nossos sonhos
e abraçá-la.

Sonhe com aquilo que você quiser.
Seja o que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que se quer.

Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.

As pessoas mais felizes
não têm as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor
das oportunidades que aparecem
em seus caminhos.

A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passam por suas vidas.

O futuro mais brilhante
é baseado num passado intensamente vivido.
Você só terá sucesso na vida
quando perdoar os erros
e as decepções do passado.

A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar
duram uma eternidade.
A vida não é de se brincar
porque um belo dia se morre.

(Do site www.pensador.info.com, e enviado pelo leitor Ronaldo Derly Rodrigues)

sábado, 27 de dezembro de 2008

Canção de Embalar, de W.H.Auden

Apoia a tua cabeça adormecida, amor,
Tão humana sobre o meu braço descrente;
O tempo e a febre consomem
A própria beleza das
Pensativas crianças, e o túmulo
Mostra que a criança é efémera:
Mas, nos meus braços, até ao romper do dia
Deixa que a viva criatura jaza
Mortal, culpada, mas que para mim
É toda a beleza.

A alma e o corpo não têm limites:
Para os amantes quando jazem
Sobre o seu permissivo e encantado declive
Num habitual desfalecimento,
Grave é a visão que Vénus envia
De uma sobrenatural compaixão;
Amor universal e esperança;
Entretanto, uma visão abstracta desperta
Entre os glaciares e as rochas
O êxtase carnal do eremita.

A segurança e a fidelidade
Passam ao bater da meia-noite
Como as vibrações de um sino
E aqueles que são e.legantes e loucos erguem
O seu pedante e enfadonho apelo:
A mais pequena moeda devida,
Tudo o que as temidas cartas auguram,
Há-de ser pago, mas desta noite
Nem um murmúrio, nem um pensamento,
Nem um beijo nem um olhar se hão-de perder.

A beleza, a meia-noite, a visão que morre;
Que os ventos da madrugada ao soprarem
Suaves em redor da tua cabeça sonhadora
Mostrem um dia de boas-vindas
Que o olhar e o coração palpitante abençoem,
Que achem suficiente o nosso mundo mortal;
Que meios-dias de aridez te encontrem alimentada
Por poderes involuntários,
Que noites de afronta te deixem passar
Vigiada por todos os amores humanos.

(Janeiro 1937)


W.H. Auden
DIZ-ME A VERDADE ACERCA DO AMOR
Tradução de Maria de Lourdes Guimarães
Relógio d´Água
1994

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E uma brisa leve, de Fernando Pessoa

É uma brisa leve
Que o ar um momento teve
E que passa sem ter
Quase por tudo ser.

Quem amo não existe.
Vivo indeciso e triste.
Quem quis ser já me esquece
Quem sou não me conhece.

E em meio disto o aroma
Que a brisa traz me assoma
Um momento à consciência
Como uma confidência.


(in "OBRA POÉTICA","INÉDITAS", Ed. Aguilar, 1960)

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sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

O amor, de Keissemeir

O amor nos abala e nos embala
O amor nos consome e nos nutre

O amor nos enlouquece e embriaga
Com seu vinho e seu delírio

O amor nos desfolha e nos transporta
O amor nos desnuda e nos veste

O amor nos dissolve e nos envolve
Com seu fogo e seu vento.

O amor nos ascende
E nos transcende

O amor nos sepulta e ressuscita
Com suas asas e sua magia

O amor nos indaga e nos responde
O amor nos vence e nos abraça

O amor nos absolve e nos consagra
com seu mistério e sua prece.


(Frei Clementede Keissemeir)

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Amor e felicidade, de J.G. de Araújo Jorge

Infeliz de quem passa pelo mundo,
Procurando no amor felicidade:
A mais linda ilusão dura um segundo;
E dura, a partir daí, tristeza e saudade.

Repleto é o amor no íntimo mais profundo.
Onde esconde a linda jóia da verdade;
E só depois de vazia, mostra o fundo.
Só depois, embriaga-se a felicidade.

Eis aqui mais um enamorado descontente,
Escutando a palavra confidente
Que o coração murmura, e a voz não diz.

Percebo afinal meu pecado:
Quanto me falta para ser amado.
Quanto me falta para ser feliz.

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quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Gargalhada, de Guimarães Rosa

Quando me disseste que não mais me amavas,

e que ias partir,

dura, precisa, bela e inabalável,

com a impassibilidade de um executor,

dilatou-se em mim o pavor das cavernas vazias...

Mas olhei-te bem nos olhos,

belos como o veludo das lagartas verdes,

e porque já houvesse lágrimas nos meus olhos,

tive pena de ti, de mim, de todos,

e me ri

da inutilidade das torturas predestinadas,

guardadas para nós, desde a treva das épocas,

quando a inexperiência dos Deuses

ainda não criara o mundo...


(in "MAGMA", Editora Nova Fronteira, 1997)

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terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Reinvindicação da arte, de Bertolt Brecht

A boa, que ao seu amor nada nega
E se lhe entrega com antecipação
Saiba: que não é boa vontade não
Mas talento, o que ele deseja na esfrega.

Mesmo se à velocidade do som
Do sou tua dela à cópula chega
Não é pressa que o botão dele carrega
Quando às bolas seminais dá vazão.

Se é o amor que primeiro atiça o fogo
Precisa ela depois, para Inverno amparado
De ser dona ainda de um traseiro dotado.

De fato, mais que o fervor no olhar
(Também faz falta) um truque há que usar:
Coxas soberbas, em soberbo jogo.

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segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Palavras, de Cecília Meireles

Ai, palavras, ai, palavras,
Que estranha potência a vossa!
Ai, palavras, ai, palavras,
Sois de vento, ides no vento,
No vento que não retorna,
E, em tão rápida existência,
Tudo se forma e transforma!

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Palavras, de Cecília Meireles


Ai, palavras, ai, palavras,
Que estranha potência a vossa!
Ai, palavras, ai, palavras,
Sois de vento, ides no vento,
No vento que não retorna,
E, em tão rápida existência,
Tudo se forma e transforma!

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A espantosa realidade das coisas, de Fernando Pessoa

A espantosa realidade das coisas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada coisa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.

Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais. Naturalmente.

Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada coisa que há é uma maneira de dizer isto.

Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo,
Nem idéia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.

Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer coisa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.


Extraído do site: http://www.fpessoa.com.ar)

domingo, 21 de dezembro de 2008

Bem, hoje que estou só e posso ver, de Fernando Pessoa

Bem, hoje que estou só e posso ver
Com o poder de ver do coração
Quanto não sou, quanto não posso ser,
Quanto se o for, serei em vão,
Hoje, vou confessar, quero sentir-me
Definitivamente ser ninguém,
E de mim mesmo, altivo, demitir-me
Por não ter procedido bem.
Falhei a tudo, mas sem galhardias,
Nada fui, nada ousei e nada fiz,
Nem colhi nas urtigas dos meus dias
A flor de parecer feliz.
Mas fica sempre, porque o pobre é rico
Em qualquer cousa, se procurar bem,
A grande indiferença com que fico.
Escrevo-o para o lembrar bem

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Bem, hoje que estou só e posso ver, de Fernando Pessoa



Bem, hoje que estou só e posso ver
Com o poder de ver do coração
Quanto não sou, quanto não posso ser,
Quanto se o for, serei em vão,
Hoje, vou confessar, quero sentir-me
Definitivamente ser ninguém,
E de mim mesmo, altivo, demitir-me
Por não ter procedido bem.
Falhei a tudo, mas sem galhardias,
Nada fui, nada ousei e nada fiz,
Nem colhi nas urtigas dos meus dias
A flor de parecer feliz.
Mas fica sempre, porque o pobre é rico
Em qualquer cousa, se procurar bem,
A grande indiferença com que fico.
Escrevo-o para o lembrar bem

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Poema: Proposta Complexa, de Millôr Fernandes

Se o mundo fosse de palha
Eu punha fogo no mar,
E se o mar fosse de queijo
Eu bebia até cansar,
Se a água fosse de ouro
Ninguém vivia no bar,
Se peixe crescesse em árvores
Seria fácil pescar,
Se pardal comesse abelha
Que estranho seria o ar,
Se os porcos fossem limpos
Que grande e belo luar,
Se a barata der leite
Leite vai baratear,
Se os homens ruminassem
Não viviam a se queixar,
Se as ruas caminhassem
Eu não saía do lugar,
Se 6 e 6 fossem 4
3 e 3 seriam um par.
Se fossem lá todos juntos
Ninguém pegava lugar,
Se reflexo valesse
O céu era o fundo do mar,
E se os ratos fossem valentes
Os gatos iam se mancar.


(Enviado por Ronaldo Derly Rodrigues)

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sábado, 20 de dezembro de 2008

Palavras, de Sylvia Plath

Enviado por Karenina Moss em 19.12.2008 para o Blog do Noblat.

Palavras
Golpes,
De machado na madeira,
E os ecos!
Ecos que partem
A galope.

A seiva
Jorra como pranto, como
Água lutando
Para repor seu espelho
sobre a rocha

Que cai e rola,
Crânio branco
Comido pelas ervas.
Anos depois, na estrada,
Encontro

Essas palavras secas e sem rédeas,
Bater de cascos incansável.
Enquanto
Do fundo do poço, estrelas fixas
Decidem uma vida.



(Sylvia Plath nasceu em Boston, EUA, em 1932.)

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Procura-se um amigo, de Vinicius de Moraes

Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.

Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.

Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.

Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.


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Procura-se um amigo, de Vinicius de Moraes



Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.

Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.

Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.

Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.


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sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Chove, de Fernando Pessoa.

Chove. Que fiz eu da vida?
Fiz o que ela fez de mim...
De pensada, mal vivida...
Triste de quem é assim!
Numa angústia sem remédio
Tenho febre na alma, e, ao ser,
Tenho saudade, entre o tédio,
Só do que nunca quis ser...
Quem eu pudera ter sido,
Que é dele? Entre ódios pequenos
De mim, estou de mim partido.
Se ao menos chovesse menos!


(Poesias Inéditas)

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quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Metade, de Oswaldo Montenegro

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que triste
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso e a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste, que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.

Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
Mas a outra metade eu não sei.

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é a platéia
A outra metade é a canção.

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.

(Enviada por Ronaldo Derly Rodrigues, leitor deste blog)

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Tabacaria, de Fernando Pessoa

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.


Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.


Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.


Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?


Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!

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terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Nada mais que a paixão, de Egberto Gismonti

Não espere de mim nada mais que a paixão
Não espere nada de mais do meu coração
Que bate, rebate e grita
Geme, chora e se agita
Sambando nas cordas bambas de uma viola vadia
Não espere encontrar numa canção
Nada além de um sonho, nada além de uma ilusão
Talvez, quem sabe, a verdade
A infinita vontade de arrancar
De dentro da noite a barra clara do dia

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Entre o ser e as coisas, de Carlos Drummond de Andrade

“ONDA e amor, onde amor, ando indagando
ao largo vento e à rocha imperativa,
e a tudo me arremesso, nesse quando
amanhece frescor de coisa viva.

Às almas, não, as almas vão pairando,
e, esquecendo a lição que já se esquiva,
tornam amor humor, e vago e brando
o que é de natureza corrosiva.

N’água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

E nem os elementos encantados
sabem do amor que os punge e que é, pungindo,
uma fogueira a arder no dia findo.”.

(in OBRA COMPLETA /CLARO ENIGMA / NOTÍCIAS AMOROSAS,Ed. Aguilar, 1964, pag. 247)

domingo, 14 de dezembro de 2008

Campo de Flôres, de Carlos Drummond de Andrade

DEUS me deu um amor no tempo da madureza,
Quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme.
Deus - ou foi talvez o Diabo - deu-me este amor maduro,
E a um e outro agradeço, pois que tenho um amor.

Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos
E outros acrescento aos que amor já criou.
Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso
E talhado em penumbra sou e não sou, mas sou.

Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia
E cansado de mim julgava que era o mundo
Um vácuo atormentado, um sistema de erros.
Amanhecem de novo as antigas manhãs
Que não vivi jamais, pois jamais me sorriram.

Mas me sorriam sempre atrás de tua sombra
Imensa e contraída como letra no muro
E só hoje presente.

Deus me deu um amor porque o mereci.
De tantos que já tive ou tiveram em mim,
O sumo se espremeu para fazer um vinho
Ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo.

E o tempo que levou uma rosa indecisa
A tirar sua cor dessas chamas extintas
Era o tempo mais justo. Era tempo de terra.
Onde não há jardim, as flores nascem de um
Secreto investimento em formas improváveis.

Hoje tenho um amor e me faço espaçoso
Para arrecadar as alfaias de muitos
Amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes,
E ao vê-los amorosos e transidos em torno
O sagrado terror converto em jubilação

Seu grão de angústia amor já me oferece
Na mão esquerda. Enquanto a outra acaricia
Os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura
E o mistério que faz os seres preciosos
À visão extasiada.

Mas, porque me tocou um amor crepuscular,
Há que amar diferente. De uma grave paciência
Ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia
Tenha dilacerado a melhor doação.
Há que amar e calar.
Para fora do tempo arrasto meus despojos
E estou vivo na luz que baixa e me confunde.


(Noticias Amorosas, pág. 250 -Obras Completas).

sábado, 13 de dezembro de 2008

Dois e dois são cinco, de Caetano Veloso

Tudo vai mal, tudo
Tudo é igual quando eu canto e sou mudo
Mas eu não minto
Estou longe e perto
Sinto alegrias, tristezas e brinco
Meu amor,
Tudo em volta está deserto, tudo certo
Tudo certo como dois e dois são cinco



(Hoje, dia 13 de dezembro é um dia muito triste para a história do Brasil ! Alguns indivíduos, que não merecem nenhum respeito, estejam vivos ou mortos, editaram o Ato Institucional nº 05 , que tiraram, inclusive com o assassinato, muitos amigos e companheiros de nosso convívio. O Caetano escreveu esses versos em Londres,exilado.)

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

O que me doí, de Fernando Pessoa

O que me dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão...
São as formas sem forma
Que passam sem que a dor
As possa conhecer
Ou as sonhar o amor.

São como se a tristeza
Fosse árvore e, uma a uma,
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a bruma.


Fernando Pessoa, escreveu em 05 de setembro de 1933)

THO SONGS FOR HENDLI ANDERSON

Selected Poems of W.H. Auden
by W. H. Auden

Vintage

I stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.

Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message He Is Dead,
Put crêpe bows round the white necks of the public
doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.

He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last for ever: I was wrong.

The stars are not wanted now: put out every one;
Pack up the moon and dismantle the sun;
Pour away the ocean and sweep up the wood.
For nothing now can ever come to any good.


II
O the valley in the summer where I and my John
Beside the deep river would walk on and on
While the flowers at our feet and the birds up above
Argued so sweetly on reciprocal love,
And I leaned on his shoulder; 'O Johnny, let's play':
But he frowned like thunder and he went away.

O that Friday near Christmas as I well recall
When we went to the Charity Matinee Ball,
The floor was so smooth and the band was so loud
And Johnny so handsome I felt so proud;
'Squeeze me tighter, dear Johnny, let's dance till it's day':
But he frowned like thunder and he went away.

Shall I ever forget at the Grand Opera
When music poured out of each wonderful star?
Diamonds and pearls they hung dazzling down
Over each silver and golden silk gown;
'O John I'm in heaven,' I whispered to say:
But he frowned like thunder and he went away.

O but he was fair as a garden in flower,
As slender and tall as the great Eiffel Tower,
When the waltz throbbed out on the long promenade
O his eyes and his smile they went straight to my heart;
'O marry me, Johnny, I'll love and obey':
But he frowned like thunder and he went away.

O last night I dreamed of you, Johnny, my lover,
You'd the sun on one arm and the moon on the other,
The sea it was blue and the grass it was green,
Every star rattled a round tambourine;
Ten thousand miles deep in a pit there I lay:
But you frowned like thunder and you went away.


(Enviado por Luciana Fróes)

Se eu te ti me esquecer, de Bernardo Guimarães

Se eu de ti me esquecer, nem mais um riso
Possam meus tristes lábios desprender;
Para sempre abandone-me a esperança,
Se eu de ti me esquecer.



Neguem-me auras o ar, neguem-me os bosques
Sombra amiga, em que possa adormecer,
Não tenham para mim murmúrio as águas,
Se eu de ti me esquecer.



Em minhas mãos em áspide se mude
No mesmo instante a flor, que eu for colher;
Em fel a fonte, a que chegar meus lábios,
Se eu de ti me esquecer.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

O amor é mudo, de Fernando Pessoa

A criança que ri na rua,
A música que vem no acaso,
A tela absurda, a estátua nua,
A bondade que não tem prazo –

Tudo isso excede este rigor
Que o raciocínio dá a tudo,
E tem qualquer coisa de amor,
Ainda que o amor seja mudo.


04/10/1934

Quarto motivo da rosa. (Cecília Meireles)

"Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.


Rosas verá, só de cinzas franzida,
mortas, intactas pelo teu jardim.


Eu deixo aroma até nos meus espinhos
ao longe, o vento vai falando de mim.


E por perder-me é que vão me lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim."

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Luas de Subúrbio, de Guinga, poeta e compositor brasileiro.

Nos sonhos do ilhéu
Onde acaba o mar e começa o chão do céu.
Toda tristeza é coisa vã
e não vai durar pois morrer no mar é regressar à mãe.
Quando meu barco naufragou, fui ao paraíso
mas o que eu preciso lá não tinha não
e então eu peguei do remo e pedi ao demo uma explicação.
Ele me fez jurar um segredo eterno:
me contou que o inferno é a recordação.
De um vulcão feito de Vesúvio,
luas de subúrbios explodiram com gladíolos no portão.
Num vão de escada um pobre velho com um realejo me soprou
um beijo na palma da mão
mas quando olhei pro demônio seu jeito tristonho
me fez compreender.
Eu li nos olhos dele: esse é você...
"Aprendi com meu filho de dez anos
que a poesia é a descoberta
das coisas que nunca vi."


(Oswald de Andrade (1890/1954), poeta brasileiro,no livro
"Poesias Reunidas", Difusão Européia do Livro).

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Traduzir-se, de Ferreira Gullar

"Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?"


("Na Vertigem do Dia", in Jornal de Poesia)

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Dá-me a tua mão, de Clarice Lispector

Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.


De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.


Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.

O tempo e a vida, de Mário Quintana

"A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.

Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira. ...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê, perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê, já se passaram 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado.

Se me fosse dado, um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando, pelo caminho, a casca dourada e inútil das horas.

Desta forma, eu digo: não deixe de fazer algo de que gosta devido a falta de tempo;
a única falta que terá, será desse tempo que infelizmente nao voltará mais."

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Aqui na orla

"AQUI NA ORLA da praia, mudo e contente do mar,
Sem nada já que me atraia, em nada que desejar,
Farei um sonho, terei meu dia, fecharei a vida,
E nunca terei agonia, pois dormirei em seguida.

A vida é como uma sombra que passa por sobre um rio
Ou como um passo na alfombra de um quarto que jaz vazio;
O amor é um sono que chega para o pouco ser que se é;
A glória concede e nega; não tem verdades a fé.

Por isso na orla morena da praia calada e só,
Tenho a alma feita pequena, livre de mágoa e de dó;
Sonho sem quase já ser, perco sem nunca ter tido,
E comecei a morrer muito antes de ter vivido.

Dêem-me, onde aqui jazo, só uma brisa que passe,
Não quero nada do ocaso, senão a brisa na face;
Dêem-me um vago amor de quanto nunca terei,
Não quero gozo nem dor, não quero vida nem lei.

Só, no silêncio cercado pelo som branco do mar,
Quero dormir sossegado, sem nada desejar,
Quero dormir na distância de um ser que nunca foi seu,
Tocado do ar sem fragrância da brisa de qualquer céu."



Carlos Drummond de Andrade, em 10 de agosto de 1929 escreveu e está publicado na "OBRA POÉTICA",Ed. Aguilar, 1964, pag. 81)

Não comerei da alface a verde pétala, de Vinicius de Moraes

"Não comerei da alface a verde pétala
Nem da cenoura as hóstias desbotadas
Deixarei as pastagens às manadas
E a quem mais aprouver fazer dieta.

Cajus hei de chupar, mangas-espadas
Talvez pouco elegantes para um poeta
Mas peras e maçãs, deixo-as ao esteta
Que acredita no cromo das saladas.

Não nasci ruminante como os bois
Nem como os coelhos, roedor; nasci
Omnívoro, dêem-me feijão com arroz

E um bife, e um queijo forte, e parati
E eu morrerei, feliz, do coração
De ter vivido sem comer em vão"

(Vinícius de Moraes)



(Extraído do blog de Constance Escobar:www.praquemquisermevisitar.com)
Recomendo, com entusiasmo, o blog da Constance.

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quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Cântico da terra, por Cora Coralina

Eu sou a terra, eu sou a vida.
Do meu barro primeiro veio o homem.
De mim veio a mulher e veio o amor.
Veio a árvore, veio a fonte.
Vem o fruto e vem a flor.
Eu sou a fonte original de toda vida.
Sou o chão que se prende à tua casa.
Sou a telha da coberta de teu lar.
A mina constante de teu poço.
Sou a espiga generosa de teu gado
e certeza tranqüila ao teu esforço.
Sou a razão de tua vida.
De mim vieste pela mão do Criador,
e a mim tu voltarás no fim da lida.
Só em mim acharás descanso e Paz.
Eu sou a grande Mãe Universal.
Tua filha, tua noiva e desposada.
A mulher e o ventre que fecundas.
Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.
A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.
Teu arado, tua foice, teu machado.
O berço pequenino de teu filho.
O algodão de tua veste
e o pão de tua casa.
E um dia bem distante
a mim tu voltarás.
E no canteiro materno de meu seio
tranqüilo dormirás.
Plantemos a roça.
Lavremos a gleba.
Cuidemos do ninho,
do gado e da tulha.
Fartura teremos
e donos de sítio
felizes seremos.

Porque choramos ao nascer ?

"Choramos ao nascer porque chegamos a este imenso cenário de dementes."
William Shakespeare

Bola de meia - bola de gude

Há um menino, há um moleque
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem pra me dar a mão
Há um passado no meu presente
Um sol bem quente lá no meu quintal
Toda vez que a bruxa me assombra
O menino me dá a mão
E me fala de coisas bonitas
Que eu acredito que não deixarão de existir
Amizade, palavra, respeito, caráter, bondade
Alegria e amor
Pois não posso, não devo, não quero
Viver como toda essa gente insiste em viver
E não posso aceitar sossegado
Qualquer sacanagem ser coisa normal
Bola de meia, bola de gude
O solidário não quer solidão
Toda vez que a tristeza me alcança
O menino me dá a mão
Há um menino, há um moleque
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto fraqueja
Ele vem pra me dar a mão

(Milton Nascimento e Fernando Brant)

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Leve, leve...

Fernando Pessoa, como Alberto Caeiro escreveu:
XIII -

Leve, leve, muito leve,
Um vento muito leve passa,
E vai-se, sempre muito leve.
E eu não sei o que penso
Nem procuro sabê-lo.

SENTIMENTO DO MUNDO

Tenho apenas duas mãos
E o sentimento do mundo,
Mas estou cheio de escravos,
Minhas lembranças escorrem
E o corpo transige
Na confluência do amor.
Quando me levantar, o céu
Estará morto e saqueado,
Eu mesmo estarei morto,
Morto meu desejo, morto
O pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram
Que havia uma guerra
E era necessário
Trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
Anterior a fronteiras,
Humildemente vos peço
Que me perdoeis.
Quando os corpos passarem,
Eu ficarei sòzinho
Desfiando a recordação
Do sineiro, da viúva e do microscopista
Que habitavam a barraca
E não foram encontrados
Ao amanhecer
Esse amanhecer
Mais noite que a noite.

(Carlos Drummond de Andrade em“Sentimento do mundo”,OBRA COMPLETA, Ed. Aguilar , 1964,pág.101)
Escrito por Luiz Edmundo Alvarenga às 20/08/08 07:29
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TROCANDO EM MIÚDOS (Chico Buarque e Francis Hime)

Eu vou lhe deixar a medida do Bonfim
Não me valeu
Mas fico com o disco do Pixinguinha, sim!
O resto é seu
Trocando em miúdos, pode guardar
As sobras de tudo que chamam lar
As sombras de tudo que fomos nós
As marcas de amor nos nossos lençóis
As nossas melhores lembranças
Aquela esperança de tudo se ajeitar
Pode esquecer
Aquela aliança, você pode empenhar
Ou derreter
Mas devo dizer que não vou lhe dar
O enorme prazer de me ver chorar
Nem vou lhe cobrar pelo seu estrago no meu peito tão dilacerado
Aliás
Aceite uma ajuda do seu futuro amor
Pro aluguel
Devolva o Neruda que você me tomou
E nunca leu
Eu bato o portão sem fazer alarde
Eu levo a carteira de identidade
Uma saideira, muita saudade
E a leve impressão de que já vou tarde.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

POUCO ME IMPORTA

Pouco me importa.Pouco me importa o quê? Não sei: pouco me importa.

(Fernando Pessoa, em "Poemas de Alberto Caieiro" em 24 de outubro de 1917)24-10-1917 )

AMOR É BICHO INSTRUÍDO

Amor é bicho instruído

Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem às vezes não sara nunca às vezes sara amanhã.


(Carlos Drummond de Andrade, OBRAS COMPLETAS, ED. AGUILAR, 1964,NOTICIAS AMOROSAS, pag. 321)

Poesia, de Nelson Mandela

Nosso medo mais profundonão é o de sermos inadequados.
Nosso medo mais profundo é que somos poderosos além de qualquer medida.
É a nossa luz, não as nossas trevas,o que mais nos apavora.
Nós nos perguntamos:Quem sou eu para ser Brilhante,Maravilhoso, Talentoso e Fabuloso?
Na realidade, quem é você para não ser?
Você é filho do Universo.
Se fazer pequeno não ajuda o mundo.
Não há iluminação em se encolher,para que os outros não se sintam inseguros quando estão perto de você.
Nascemos para manifestar a glória do Universo que está dentro de nós.
Não está apenas em um de nós: está em todos nós.
E conforme deixamos nossa própria luz brilhar,inconscientemente damos às outras pessoas permissão para fazer o mesmo.
E conforme nos libertamos do nosso medo,nossa presença, automaticamente, libera os outros."

(Versão livre por esse cidadão do mundo)

Mario Quintana escreveu:

"Olho em redor do bar em que escrevo estas linhas. Aquele homem ali no balcão, caninha após caninha, nem desconfia que se acha conosco desde o início das eras. Pensa que está somente afogando problemas dele, João Silva... Ele está é bebendo a milenar inquietação do mundo!"

Retrato em Preto e Branco (Tom Jobim)

Já conheço os passos dessa estrada
Sei que não vai dar em nada
Seus segredos sei de cor
Já conheço as pedras do caminho,
E sei também que ali sozinho,
Eu vou ficar tanto pior
E o que é que eu posso contra o encanto,
Desse amor que eu nego tanto
Evito tanto e que, no entanto,
Volta sempre a enfeitiçar
Com seus mesmos tristes, velhos fatos,
Que num álbum de retratos
Eu teimo em colecionar
Lá vou eu de novo como um tolo,
Procurar o desconsolo,Que cansei de conhecer
Novos dias tristes, noites claras,
Versos, cartas, minha cara
Ainda volto a lhe escrever
Pra lhe dizer que isso é pecado,
Eu trago o peito tão marcadoDe lembranças do passado e você sabe a razão
Vou colecionar mais um soneto,
Outro retrato em branco e preto
A maltratar meu coração

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Delicadeza

Quintana:
"Se tu me amas, ama-me baixinho. Não o grites de cima dos telhados. Deixa em paz os passarinhos. Deixa em paz a mim! Se me queres, enfim, tem de ser bem devagarinho, Amada, que a vida é breve, e o amor mais breve ainda..."