sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Rifa-se um coração (quase novo), de Clarice Lispector

Rifa-se um coração quase novo.
Um coração idealista.
Um coração como poucos.
Um coração à moda antiga.
Um coração moleque que insiste em pregar peças no seu usuário.
Rifa-se um coração que na realidade
está um pouco usado, meio calejado, muito machucado
e que teima em alimentar sonhos, e cultivar ilusões.
Um pouco inconseqüente
que nunca desiste de acreditar nas pessoas.
Um leviano e precipitado,
coração que acha que Tim Maia estava certo
quando escreveu... "não quero dinheiro,
eu quero amor sincero, é isso que eu espero...".
Um idealista...
Um verdadeiro sonhador...
Rifa-se um coração que nunca aprende.
Que não endurece,
e mantém sempre viva a esperança de ser feliz,
sendo simples e natural.
Um coração insensato que comanda o racional
sendo louco o suficiente para se apaixonar.
Um furioso suicida que vive procurando relações
e emoções verdadeiras.
Rifa-se um coração que insiste
em cometer sempre os mesmos erros.
Esse coração que erra, briga, se expõe.
Perde o juízo por completo em nome de causas e paixões.
Sai do sério e, às vezes revê suas posições
arrependido de palavras e gestos.
Este coração tantas vezes incompreendido.
Tantas vezes provocado. Tantas vezes impulsivo.
Rifa-se este desequilibrado emocional que,
abre sorrisos tão largos que quase dá pra engolir as orelhas,
mas que também arranca lágrimas e faz murchar o rosto.
Um coração para ser alugado,
ou mesmo utilizado por quem gosta de emoções fortes.
Um órgão abestado
indicado apenas para quem quer viver intensamente e,
contra indicado para os que apenas pretendem passar pela vida
matando o tempo, defendendo-se das emoções.
Rifa-se um coração tão inocente
que se mostra sem armaduras e deixa louco o seu usuário.
Um coração que quando parar de bater
ouvirá o seu usuário dizer para São Pedro na hora da prestação de contas:
" O Senhor poder conferir", eu fiz tudo certo,
só errei quando coloquei sentimento.
Só fiz bobagens e me dei mal
quando ouvi este louco coração de criança
que insiste em não endurecer e, se recusa a envelhecer".
Rifa-se um coração, ou mesmo troca-se por outro
que tenha um pouco mais de juízo.
Um órgão mais fiel ao seu usuário.
Um amigo do peito que não maltrate tanto o ser que o abriga.
Um coração que não seja tão inconseqüente.
Rifa-se um coração cego, surdo e mudo,
mas que incomoda um bocado.
Um verdadeiro caçador de aventuras que,
ainda não foi adotado, provavelmente,
por se recusar a cultivar ares selvagens ou racionais,
por não querer perder o estilo.
Oferece-se um coração vadio, sem raça, sem pedigree.
Um simples coração humano.
Um impulsivo membro de comportamento até meio ultrapassado.
Um modelo cheio de defeitos que,
mesmo estando fora do mercado,
faz questão de não se modernizar, mas vez por outra,
constrange o corpo que o domina.
Um velho coração que convence seu usuário
a publicar seus segredos e, a ter a petulância
de se aventurar como poeta.




(in http://www.luso-poemas.net )

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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Paciência, autor desconhecido.

Ah! Se vendessem paciência nas farmácias
e supermercados..
Muita gente iria gastar
boa parte do salário nessa mercadoria
tão rara hoje em dia.
Por muito pouco
a madame que parece uma "lady",
solta palavrões e berros que
lembram as antigas
"trabalhadoras do cais",
e o bem comportado executivo,
"o cavalheiro", se transforma numa
"besta selvagem" no trânsito
que ele mesmo ajuda tumultuar.
Os filhos atrapalham, os idosos incomodam,
a voz da vizinha é um tormento,
o jeito do chefe é demais para sua cabeça,
a esposa virou uma chata,
o marido uma "mala sem alça",
aquela velha amiga uma "alça sem mala",
o emprego uma tortura, a escola uma chatice.
O cinema se arrasta, o teatro nem pensar,
até o passeio viraram novela.
Outro dia, vi um jovem reclamando
que o banco dele pela Internet estava
demorando a dar o saldo,
eu me lembrei da fila dos bancos.
Pobre de nós,
meninos e meninas sem paciência,
sem tempo para a vida,
sem tempo para a espiritualidade,
a paciência está em falta no mercado,
e pelo jeito,
a paciência sintética dos calmantes
está cada vez mais em alta.
Pergunte para alguém
que você saiba que é "ansioso demais",
onde ele quer chegar?
Qual é a finalidade de sua vida?
Surpreenda-se com a falta de metas,
com o vago de sua resposta.
E você? Onde quer chegar?
Está correndo tanto para que?
Por quem?
Seu coração vai agüentar?
Se você morrer hoje de infarto agudo do miocárdio o mundo vai parar?
A empresa que você trabalha vai acabar?
As pessoas que você ama vão parar?
Será que você conseguiu ler até aqui?
Respire...Acalme-se...
O mundo está apenas na sua primeira volta
e com certeza,
no final do dia vai completar
o seu giro ao redor do sol,
com ou sem a sua paciência.

"NÃO SOMOS SERES HUMANOS PASSANDO POR UMA EXPERIÊNCIA ESPIRITUAL...

SOMOS SERES ESPIRITUAIS PASSANDO POR UMA EXPERIÊNCIA HUMANA...".


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