sábado, 11 de abril de 2009

Amar, de Carlos Drummond de Andrade

Amar
Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho,
e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuido pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa
amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.

.

Um comentário:

M.C.L.M disse...

"...e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho..."

M.a.r.a.v.i.l.h.o.s.o é pouco pra dizer sobre este poema!

beijos amigo querido!

PS: Não esqueças dos meus presentes...rsrs :-)