domingo, 26 de fevereiro de 2012

EVOCAÇÃO DA ROSA, de Abdias do Nascimento


Era uma vez uma rosa

que não era vegetal

nem rosa mineral

carecia até da cor de rosa

era uma gata formosa

negra amarela e brancosa

irrequietamente caprichosa

vestida de suave pêlo multicor



Bichana terrivelmente amorosa

dos laços dos seus encantos

nenhum gato jamais se livrou

pelos telhados miava dengosa

suspirava a noite inteira

seduzindo namoradeira

toda a gataria ao

luar da lua alcoviteira



Certo dia Rosa pariu

uma ninhada de gatinhos

de várias cores engraçadinhos

os mais lindos eram os pretinhos

mamavam de patinhas entrelaçadas

ronronando de olhos cerrados

boquinhas rosadas coladas

às rosadas tetas de Rosa



Num desses momentos

um gatão assassino

pêlo sujo debotado

miando feio saltou felino

matando gatinho por todo lado



A mãe valente e briosa

socorri de porrete na mão

ajudei a defesa de Rosa

esbordoando estridente

perseguindo o ladrão

ele fugiu espavorido

um gatinho levando nos dentes

outros sangravam na agonia

Rosa fuzilava os olhos dementes

miando plangente a dor que lhe doía

noites a fio seu gemer se ouvia

ó doce e carinhosa Rosa

era de cortar o coração

ver-te enlouquecida

recusar enfurecida

aquela felina traição

ir definhando entristecida

até a completa inanição



Rosa cheirosa e macia

que ao morrer no

meu jardim plantei

sob a terra desapareceu

aos cuidados da minha

pobre primavera de

uma gata demente e morta

a rosa-gata enternecida

em rosa-flor floresceu

foram ambas a

única rosa que

a infância me deu



Buffalo, 30 de janeiro de 1981









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