sábado, 10 de março de 2012

ESTOU TONTO, de Fernando Pessoa

Estou tonto,


Tonto de tanto dormir ou de tanto pensar,


Ou de ambas as coisas.


O que sei é que estou tonto


E não sei bem se me devo levantar da cadeira


Ou como me levantar dela.


Fiquemos nisto: estou tonto.






Afinal


Que vida fiz eu da vida?


Nada.


Tudo interstícios,


Tudo aproximações,


Tudo função do irregular e do absurdo,


Tudo nada.


É por isso que estou tonto ...






Agora


Todas as manhãs me levanto


Tonto ...






Sim, verdadeiramente tonto...


Sem saber em mim e meu nome,


Sem saber onde estou,


Sem saber o que fui,


Sem saber nada.






Mas se isto é assim, é assim.


Deixo-me estar na cadeira,


Estou tonto.


Bem, estou tonto.


Fico sentado


E tonto,


Sim, tonto,


Tonto...


Tonto.






(Como Álvaro de Campos, in "Poemas" , “Obra Completa”, Ed. Aguilar, 1960, pág. 258)

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