terça-feira, 29 de maio de 2012

NUM DIA (XLVII) , de Fernando Pessoa



NUM dia excessivamente nítido,

Dia em que dava a vontade de ter trabalhado muito

Para nele não trabalhar nada,

Entrevi, como uma estrada por entre as árvores,

O que talvez seja o Grande Segredo,

Aquele Grande Mistério de que os poetas falsos falam.



Vi que não há natureza,

Que Natureza não existe,

Que há montes, vales planícies,

Que há árvores, flores , ervas,

Que há rios e pedras,

Mas que não há um todo a que isso pertença,

Que um conjunto real e verdadeiro

É uma doença das nossas idéias.



A Natureza é partes sem um todo

Isto é talvez o tal mistério de que falam.



Foi isso o que sem pensar nem parar,

Acertei que devia ser a verdade

Que todos andam a achar e que não acham,

E que só eu, porque a não fui achar , achei.






(in “Ficções do Interlúdio” , como Alberto Caeiro, “Obra Completa”, Ed. Aguilar, 1960, pág.165)

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