terça-feira, 31 de março de 2009

Poema à boca fechada, de José Saramago

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.


(In "OS POEMAS POSSÍVEIS", Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)


Remetente: Alicia - alicevilafabiao@mail.telepac.pt ,leitora e amiga deste que remete).
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3 comentários:

Anônimo disse...

me identifiquei demááááss!!!
mil bjuxx!!!

Luiz Edmundo disse...

Oi Amélie! O Saramago é, de fato,muito denso! Sabe que eu tenho o privilégio de conhece-lo e, ainda no mês passado estivemos juntos para um belo papo e muito vinho aqui no Rio! O que se aprendecom ele...
Beijos para você e, apareça!

M.C.L.M disse...

Belíssimo poema, intenso, marcante, eu diria que me embriaguei...

beijos amigo querido!