quinta-feira, 1 de julho de 2010

Da Imparcialidade, de Mário Quintana

A imparcialidade é uma atitude desonesta. De duas uma: ou o imparcial está mentindo, traindo acaso as suas mais legítimas preferências, ou então não passa de um exato robô, mero boneco mecânico sem opinião pessoal, sem nada de humano.
Aquela frase de Voltaire, tão citada: “Não creio numa só palavra do que dizes, mas defenderei até à morte o teu direito de dizer”, é uma das coisas mais demagógicas que alguém já poderia ter proferido; se achamos que algo é nocivo, meu Deus, como dormir tranquilos sem evitar sua propagação? Felizmente para Voltaire, a sua vida toda foi um desmentido a isto, e até hoje nos admiramos da sua corajosa parcialidade.

Quem começou a desmoralizar o conceito de imparcialidade, se não me engano, Pôncio Pilatos, que apenas desempenhou uma pontinha na História...Mas que pontinha! Todavia, a verdadeira imparcialidade não deve ser essa de Pilatos, tão cômoda e tão cara aos hedonistas. Mas sim a proclamação da verdade própria, ou da própria verdade, antes, acima e apesar de tudo. E como o leitor em geral adora fatos e boceja com idéias, exemplifiquemos, para terminar, com dois casos da última grande guerra.

Von Braum, quando o instaram para que apressasse, inventasse, descobrisse, o quanto antes, por motivos óbvios, um novo foguete V, ou melhor, um V3, respondeu aos chefes nazistas:”Que importa quem ganhe a guerra? Eu quero é ir à Lua!”

E, por sua vez, o prefeito de Nagasaqui, Tsume Tajawa, após o bombardeio atômico de sua cidade, declarou:”Se o Japão possuísse o mesmo tipo de arma, te-la-ia usado”.

Eis aqui duas imparcialidades: uma subjetiva, a outra objetiva, uma idealista, a outra realista.

Só resta discutir o que você teria feito se estivesse na pelo de Pôncio Pilator...


(in “Da preguiça como método de trabalho”, Editora Globo, 1994, págs. 1900191)


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