domingo, 19 de fevereiro de 2012

O Sentimento do Sublime


Vinicius de Moraes


Místico






O ar está cheio de murmúrios misteriosos


E na névoa clara das coisas há um vago sentido de espiritualização…


Tudo está cheio de ruídos sonolentos


Que vêm do céu, que vêm do chão


E que esmagam o infinito do meu desespero.






Através do tenuíssimo de névoa que o céu cobre


Eu sinto a luz desesperadamente


Bater no fosco da bruma que a suspende.


As grandes nuvens brancas e paradas –


Suspensas e paradas


Como aves solícitas de luz –


Ritmam interiormente o movimento da luz:


Dão ao lago do céu


A beleza plácida dos grandes blocos de gelo.






No olhar aberto que eu ponho nas coisas do alto


Há todo um amor à divindade.


No coração aberto que eu tenho para as coisas do alto


Há todo um amor ao mundo.


No espírito que eu tenho embebido das coisas do alto


Há toda uma compreensão.






Almas que povoais o caminho de luz


Que, longas, passeais nas noites lindas


Que andais suspensas a caminhar no sentido da luz


O que buscais, almas irmãs da minha?


Por que vos arrastais dentro da noite murmurosa


Com os vossos braços longos em atitude de êxtase?


Vedes alguma coisa


Que esta luz que me ofusca esconde à minha visão?


Sentis alguma coisa


Que eu não sinta talvez?


Por que as vossas mãos de nuvem e névoa


Se espalmam na suprema adoração?


É o castigo, talvez?






Eu já de há muito tempo vos espio


Na vossa estranha caminhada.


Como quisera estar entre o vosso cortejo


Para viver entre vós a minha vida humana...


Talvez, unido a vós, solto por entre vós


Eu pudesse quebrar os grilhões que vos prendem...






Sou bem melhor que vós, almas acorrentadas


Porque eu também estou acorrentado


E nem vos passa, talvez, a idéia do auxílio.


Eu estou acorrentado à noite murmurosa


E não me libertais...


Sou bem melhor que vós, almas cheias de humildade.


Solta ao mundo, a minha alma jamais irá viver convosco.






Eu sei que ela já tem o seu lugar


Bem junto ao trono da divindade


Para a verdadeira adoração.






Tem o lugar dos escolhidos


Dos que sofreram, dos que viveram e dos que compreenderam.














Rio de Janeiro, 1933





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