terça-feira, 1 de maio de 2012

INTERVALO , de Fernando Pessoa


Quem te disse ao ouvido esse segredo


Que raras deusas têm escutado -


Aquele amor cheio de crença e medo


Que é verdadeiro só se é segredado?...


Quem te disse tão cedo?






Não fui eu, que te não ousei dizê-lo.


Não foi um outro, porque não sabia.


Mas quem roçou da testa teu cabelo


E te disse ao ouvido o que sentia?


Seria alguém, seria?






Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?


Foi só qualquer ciúme meu de ti


Que o supôs dito, porque o não direi,


Que o supôs feito, porque o só fingi


Em sonhos que nem sei?






Seja o que for, quem foi que levemente,


A teu ouvido vagamente atento,


Te falou desse amor em mim presente


Mas que não passa do meu pensamento


Que anseia e que não sente?






Foi um desejo que, sem corpo ou boca,


A teus ouvidos de eu sonhar-te disse


A frase eterna, imerecida e louca -


A que as deusas esperam da ledice


Com que o Olimpo se apouca.






(in "Ficções do Interlúdio" , "Obra Completa" , Ed. Aguilar, 1962, pág. 312)


 

Um comentário:

Anônimo disse...

Nunca ouvi...