domingo, 29 de abril de 2012

La Strega, de Carlos Drummond de Andrade

Ainda os poemas eróticos de Drummond ! Tenho uma cópia do "La Strega" autografada por ele em 1979 !




La Strega






Estou ficando louca de desejo


De amar e em seus braços perder-me.


Preciso, já percebo, é conter-me:


Não sobrará mais nada, agora vejo,






Se me entrego, deste modo, por inteiro


Que o coração, sendo carne, nunca mente...


Devo poupar-me, ou dar-me loucamente


Como louca que não só rasga dinheiro?






Será, pois, uma questão de grau de entrega?


Já não sei mais, não tenho a lucidez,


Perdida de paixão, como uma strega






Quero voar montada no seu falo,


Embora isso pareça insensatez,


É assim que em meu delírio devo amá-lo.














(in "Poemas Naturais" , Ed. Nova Fronteira , 1992 , pag. 43)









sábado, 28 de abril de 2012

Amar, de Carlos Drummond de Andrade

É essencial para a compreensão plena da obra de Drummond a leitura de seus poemas eróticos ! São densos , explicítos ! Belíssimos ! Leiam esse.




AMOR- pois que é palavra essencial


comece esta canção e toda a envolva.


Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,


reúna alma e desejo, membro e vulva.






Quem ousará dizer que ele é só alma?


Quem não sente no corpo a alma expandir-se


até desabrochar em puro... grito


de orgasmo, num instante de infinito?






O corpo noutro corpo entrelaçado,


fundido, dissolvido, volta à origem


dos seres, que Platão viu completados:


é um, perfeito em dois; são dois em um.






Integração na cama ou já no cosmo?


Onde termina o quarto e chega aos astros?


Que força em nossos flancos nos transporta


a essa extrema região, etérea, eterna?






Ao delicioso toque do clitóris,


já tudo se transforma, num relâmpago.


Em pequenino ponto desse corpo,


a fonte, o fogo, o mel se concentraram.






Vai a penetração rompendo nuvens


e devassando sóis tão fulgurantes


que nunca a vista humana os suportara,


mas, varado de luz, o coito segue.






E prossegue e se espraia de tal sorte


que, além de nós, além da própia vida,


como ativa abstração que se faz carne,


a idéia de gozar está gozando.






E num sofrer de gozo entre palavras,


menos que isto, sons, arquejos, ais,


um só espasmo em nós atinge o climax:


é quando o amor morre de amor, divino.






Quantas vezes morremos um no outro,


no úmido subterrâneo da vagina,


nessa morte mais suave do que o sono:


a pausa dos sentidos, satisfeita.






Então a paz se instaura. A paz dos deuses,


estendidos na cama, qual estátuas


vestidas de suor, agradecendo


o que a um deus acrescenta o amor terrestre.






(in "Poema Natural" , Ed. Nova Fronteira, 1992, pág. 45)Ver mais





terça-feira, 17 de abril de 2012

SOLIDÃO É FUNDAMENTAL

Solidão é fundamental !




Solidão é requisito para nascer e para morrer.



Que me desculpem os desesperados, mas solidão é fundamental para viver.



Sem ela não me ouço, não ouso, não me fortaleço. Sem ela me diluo, me disperso, me espelho nos outros, me esqueço. Sem ela os silêncios são estéreis e as noites sôfregas, povoadas de assombramentos e desejos insaciáveis. Sem ela não percebo as saídas, os milagres, os espinhos. Não penso solto, não mato dragões, não acalanto a criança apavorada em mim, não aquieto meus pavores, meu medo de ser só. Sem ela sairei por aí, com olhos inquietos, caçando afeto, aceitando migalhas, confundindo estar cercado por pessoas com ter amigos.



Sem ela me manterei aturdido, ocupado, agendado só para driblar o tempo e não ter que me fazer companhia. Sem ela trairei meus desejos, rirei sem achar graça, endossarei idéias tolas só para não ter que me recolher e ouvir meus lamentos, meus sonhos adiados, meus dentes rangendo. Sem ela, e não por causa dela, trocarei beijos tristes e acordarei vazio em leitos áridos. Sem ela sairei de casa todos os dias e me afastarei de mim, me desconhecerei, me perderei.



Solidão é o lugar onde encontro a mim mesmo, de onde observo um jardim secreto e por onde acesso o templo em mim. Medo? Sim. Até entender que o monstro mora lá fora e o herói mora aqui dentro. Encarar a solidão é coisa do herói em nós, transformá-la em quietude é coisa do sábio que podemos ser.



Num mundo superlotado, onde tudo é efêmero, voraz e veloz, a solidão pode ser oásis e não deserto. Num mundo tão volúvel, desencantado e ansioso, a solidão pode ser alimento e não fome. Num mundo tão barulhento, egoísta, atribulado, a solidão pode ser trégua e não luta. Num mundo tão estressado, imediatista, insatisfeito, a solidão pode ser resgate e não desacerto. Num mundo tão leviano, vulgar, que julga pelas aparências e endeusa espertalhões, turbinados, boçais, a solidão pode ser proteção e não contágio. Num mundo obcecado por juventude, sucesso, consumo, a solidão pode ser liberdade e não fracasso.



Tempo e solidão são hoje os bens mais preciosos, o verdadeiro luxo.



Marque encontros com você mesmo. Experimente. Dê-se um tempo. Surpreenda-se. Solidão é exercício, visitação. É pausa, contemplação, observação. É inspiração, conhecimento. É pouso e também vôo. É quando a gente inventa um tempo e um lugar para cuidar da alma, da memória, dos sonhos; quando a gente se retira da multidão e se faz companhia. Quando a gente se livra da engrenagem e troca o medo de ser só pela coragem de estar só. Não falo de isolamento, nem ruptura ou apartamento. Adoro gente mas, mesmo assim, e talvez até por isso, preciso de solidão. Preciso estar em mim para estar com outros.



Ninguém quer ser solitário, solto, desgarrado. Desde que o homem é homem, ou ainda macaco, buscamos não ficar sozinhos. Agrupamo-nos, protegemo-nos, evoluímos porque éramos um bando, uma comunidade. Somos sociáveis, gregários. Queremos família, amigos, amores. Queremos laços, trocas, contato. Queremos encontros, comunhão, companhia.. Queremos abraços, toques, afeto. É a nossa vocação. Mas, ainda assim, revendo o poeta, ouso dizer: é preciso aprender a estar só para se gostar e ser feliz.



O desafio é poder recolher-se para sair expandido. É fazer luz na alma para conhecer os seus contornos, clarear o caminho e esquecer o medo da própria sombra. Existem pensamentos, orações, sorrisos, encontros e realizações que só acontecem quando estamos a sós.. Existem curas, revelações, idéias, lembranças que só podem vir à tona quando estamos sós. Mesmo os momentos compartilhados só serão inesquecíveis se uma parte nossa estiver inteiramente só para apreender tudo que apenas a nós se revelará e tocará.



Existe uma pessoa que só conhecemos se conseguimos ficar sós: nós mesmos!



Seja amigo da solidão. Aceite seus convites, passeie com ela, desmistifique-a. Não corra dela, não tenha medo. Desassombre-se. Use a solidão e fique em ótima companhia









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quinta-feira, 12 de abril de 2012

DECLARAÇÃO, Luiz Edmundo



Chega um momento em que é necessário que se leve a vida da maneira que se quiser!

Sem as convenções ridículas que as circunstâncias nos impõem.

Quando chega a hora, e é o meu caso, parece que as amarras que sempre me detiveram eram instrumentos de tortura...

Sem agradecimentos digo que já vão tarde!

A frase feita de que “só me arrependo do que não fiz” é um bom roteiro para o futuro......: errar bastante e não se arrepender jamais!

O que pode significar um, ou milhares de erros individuais em relação à dimensão da humanidade?

Nada vezes nada!!!

Então, vou em frente...



Nota: por força de honestidade , circunstancias profissionais e por questão de respeito aos direitos dos autores de textos, conscientemente, nunca deixei de noticiar o autor e dar a ele os agradecimentos pelo uso de sua obra!

O interessante é que, quando escrevo, tenho quase que a obrigação de dizer que, bom ou não, foi eu quem escreveu. É o caso, mas se é estranho, é!



sábado, 7 de abril de 2012

MENSAGEM À POESIA , de Vinicius de Moraes





Não posso


Não é possível


Digam-lhe que é totalmente impossível


Agora não pode ser


É impossível


Não posso.


Digam-lhe que estou tristíssimo, mas não posso ir esta noite ao seu encontro.






Contem-lhe que há milhões de corpos a enterrar


Muitas cidades a reerguer, muita pobreza pelo mundo.


Contem-lhe que há uma criança chorando em alguma parte do mundo


E as mulheres estão ficando loucas, e há legiões delas carpindo


A saudade de seus homens; contem-lhe que há um vácuo


Nos olhos dos párias, e sua magreza é extrema; contem-lhe


Que a vergonha, a desonra, o suicídio rondam os lares, e é preciso


reconquistar a vida


Façam-lhe ver que é preciso eu estar alerta, voltado para todos os caminhos


Pronto a socorrer, a amar, a mentir, a morrer se for preciso.


Ponderem-lhe, com cuidado – não a magoem... – que se não vou


Não é porque não queira: ela sabe; é porque há um herói num cárcere


Há um lavrador que foi agredido, há um poça de sangue numa praça.


Contem-lhe, bem em segredo, que eu devo estar prestes, que meus


Ombros não se devem curvar, que meus olhos não se devem


Deixar intimidar, que eu levo nas costas a desgraça dos homens


E não é o momento de parar agora; digam-lhe, no entanto


Que sofro muito, mas não posso mostrar meu sofrimento


Aos homens perplexos; digam-lhe que me foi dada


A terrível participação, e que possivelmente


Deverei enganar, fingir, falar com palavras alheias


Porque sei que há, longínqua, a claridade de uma aurora.


Se ela não compreender, oh procurem convencê-la


Desse invencível dever que é o meu; mas digam-lhe


Que, no fundo, tudo o que estou dando é dela, e que me


Dói ter de despojá-la assim, neste poema; que por outro lado


Não devo usá-la em seu mistério: a hora é de esclarecimento


Nem debruçar-me sobre mim quando a meu lado


Há fome e mentira; e um pranto de criança sozinha numa estrada


Junto a um cadáver de mãe: digam-lhe que há


Um náufrago no meio do oceano, um tirano no poder, um homem


Arrependido; digam-lhe que há uma casa vazia


Com um relógio batendo horas; digam-lhe que há um grande


Aumento de abismos na terra, há súplicas, há vociferações


Há fantasmas que me visitam de noite


E que me cumpre receber, contem a ela da minha certeza


No amanhã


Que sinto um sorriso no rosto invisível da noite


Vivo em tensão ante a expectativa do milagre; por isso


Peçam-lhe que tenha paciência, que não me chame agora


Com a sua voz de sombra; que não me faça sentir covarde


De ter de abandoná-la neste instante, em sua imensurável


Solidão, peçam-lhe, oh peçam-lhe que se cale


Por um momento, que não me chame


Porque não posso ir


Não posso ir


Não posso.






Mas não a traí. Em meu coração


Vive a sua imagem pertencida, e nada direi que possa


Envergonhá-la. A minha ausência.


É também um sortilégio


Do seu amor por mim. Vivo do desejo de revê-la


Num mundo em paz. Minha paixão de homem


Resta comigo; minha solidão resta comigo; minha


Loucura resta comigo. Talvez eu deva


Morrer sem vê-Ia mais, sem sentir mais


O gosto de suas lágrimas, olhá-la correr


Livre e nua nas praias e nos céus


E nas ruas da minha insônia. Digam-lhe que é esse


O meu martírio; que às vezes


Pesa-me sobre a cabeça o tampo da eternidade e as poderosas


Forças da tragédia abatem-se sobre mim, e me impelem para a treva


Mas que eu devo resistir, que é preciso...


Mas que a amo com toda a pureza da minha passada adolescência


Com toda a violência das antigas horas de contemplação extática


Num amor cheio de renúncia. Oh, peçam a ela


Que me perdoe, ao seu triste e inconstante amigo


A quem foi dado se perder de amor pelo seu semelhante


A quem foi dado se perder de amor por uma pequena casa


Por um jardim de frente, por uma menininha de vermelho


A quem foi dado se perder de amor pelo direito


De todos terem um pequena casa, um jardim de frente


E uma menininha de vermelho; e se perdendo


Ser-lhe doce perder-se...


Por isso convençam a ela, expliquem-lhe que é terrível


Peçam-lhe de joelhos que não me esqueça, que me ame


Que me espere, porque sou seu, apenas seu; mas que agora


É mais forte do que eu, não posso ir


Não é possível


Me é totalmente impossível


Não pode ser não


É impossível


Não posso.


quinta-feira, 5 de abril de 2012

PERGUNTO-TE, de Cecilia Meirelles



Pergunto-te onde se acha a minha vida.


Em que dia fui eu. Que hora existiu formada


... de uma verdade minha bem possuída


Vão-se as minhas perguntas aos depósitos do nada.






E a quem é que pergunto? Em quem penso, iludida


por esperanças hereditárias? E de cada


pergunta minha vai nascendo a sombra imensa


que envolve a posição dos olhos de quem pensa.






Já não sei mais a diferença!










("Obra Completa", Ed. Nova Fronteira, 1999)

terça-feira, 3 de abril de 2012

AUSÊNCIA , de Carlos Drummond de Andrade


Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

("Fazendeiro do Ar", Ed. Aguilar, 1964 , pág. 256)."

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segunda-feira, 2 de abril de 2012

Deste Modo ou Daquele Modo, de Fernando Pessoa

( como Alberto Caeiro )

Deste modo ou daquele modo.

Conforme calha ou não calha.

Podendo às vezes dizer o que penso,

E outras vezes dizendo-o mal e com misturas,



Vou escrevendo os meus versos sem querer,

Como se escrever não fosse uma cousa feita de gestos,

Como se escrever fosse uma cousa que me acontecesse

Como dar-me o sol de fora.



Procuro dizer o que sinto

Sem pensar em que o sinto.

Procuro encostar as palavras à idéia

E não precisar dum corredor



Do pensamento para as palavras

Nem sempre consigo sentir o que sei que devo sentir.

O meu pensamento só muito devagar atravessa o rio a nado

Porque lhe pesa o fato que os homens o fizeram usar.



Procuro despir-me do que aprendi,

Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,

E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,

Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,

Desembrulhar-me e ser eu, não Alberto Caeiro,

Mas um animal humano que a Natureza produziu.



E assim escrevo, querendo sentir a

Natureza, nem sequer como um homem,

Mas como quem sente a Natureza, e mais nada.

E assim escrevo, ora bem ora mal,

Ora acertando com o que quero dizer ora errando,

Caindo aqui, levantando-me acolá,

Mas indo sempre no meu caminho como um cego teimoso.



Ainda assim, sou alguém.

Sou o Descobridor da Natureza.

Sou o Argonauta das sensações verdadeiras.

Trago ao Universo um novo Universo

Porque trago ao Universo ele-próprio.



Isto sinto e isto escrevo

Perfeitamente sabedor e sem que não veja

Que são cinco horas do amanhecer

E que o sol, que ainda não mostrou a cabeça

Por cima do muro do horizonte,

Ainda assim já se lhe vêem as pontas dos dedos

Agarrando o cimo do muro

Do horizonte cheio de montes baixos.